sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Um Afago da Realidade

Há na sociedade a pura convicção que se um homem faz alguma coisa mal feita, foi com certeza um acidente. Coitado e tal, teve um deslize, um mau julgamento momentâneo, um azar qualquer.
Já quando a mulher o faz, não terá sido culpa dela?

Um homem, coitado e tal, atropelou uma velha na passadeira ; merda da velha que passou a rua sem olhar.
Um gajo embebeda-se a acaba a noite a correr nu no jardim em frente de casa ; coitado, está na idade das asneiras, deixá-lo.
Um homem tem múltiplas fêmeas, tem uma amante, não quer compromissos, anda com quem calha ; é macho, os machos fazem esse tipo de coisas, é próprio, está na natureza deles.
Um gajo constipa-se, apanha frio e fica uma semana de cama, afónico, a deitar ranho por todos os lados, sem se poder mexer ; quem é que não está livre de ficar doente, não é?
Um homem sai à rua como calha, aquela camisa não vê água há semanas, aquelas calças já nem cor têm, aquele cabelo brilha mas não é do gel, com certeza ; oh, os homens são mesmo desmazelados, se andam arranjados até parecem esquisitos.


Uma mulher atropela uma velha na passadeira ; mas para que raio dão a carta de condução a uma mulher? Já se estava mesmo a ver que dava asneira, toda a gente sabe que elas não sabem conduzir, só têm carta porque com certeza dormiram com o instrutor.

Uma rapariga apanha um pifo e faz figuras tristes, típicas de quem está bêbedo, e corre nua no jardim em frente a casa ; a pouca vergonha, onde já se viu a falta de decoro, ainda por cima numa menina, que deve guardar recato, não tem eira nem beira, uma vergonha.

Uma gaja anda com dois gajos, ao mesmo tempo, ou um a seguir ao outro, é o que basta, já para não falar na possibilidade de ter vida dupla, de ter vários homens, de não querer compromissos ; é uma pega, sem tirar nem pôr, uma falta de decoro é o que é. Onde é que isto já se viu, a desavergonhada!

Uma mulher cai na cama com gripe, afónica, com febre, dores de cabeça, um trapo autêntico ; a culpa é dela que fuma, devia era deixar de fumar, fuma e depois dá nisto, já viram, fuma, a porca, não devia fumar, devia deixar de fumar.

Uma rapariga sai a rua para ir buscar o correio em pijama ou chanatas ou rolos no cabelo ; é uma badalhoca, uma desmazelada, que não tem cuidado nenhum com ela, que pouca vergonha, que porca que ela é.



Isto não é ficção.
Isto não é choradinho barato para pôr as Fêmeas no Poder.
Isto não é sempre a mesma conversa de há 50 anos.


É a realidade, sem tirar nem pôr.
Isto acontece. Isto ainda acontece todos os dias.
É triste.

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